O Canto das Caravelas

Jurema de Avellar
5 min readNov 5, 2020

POR JUREMA DE AVELLAR

Se você é brasileiro responda logo ligeiro,

Como vê a sua terra, como vê a sua raiz?

Fala a língua portuguesa, que tem tanta beleza,

Que conta belas passagens, te fazem sorrir feliz!

De onde veio essa gente, de qual distante continente,

Com a sorte contando, trabalhando e guerreando.

Debaixo de sol e de chuva, as estrelas seguindo,

Buscando o Novo, deixando de lado o velho Oriente.

E o que enfim encontraram, bravos conquistadores?

Além de praias desertas, selva toda fechada,

Animais podiam ser , seres humanos, quem sabe?

Gente tão diferente, de aparência inocente,

Que até sem roupas andava.

Usados foram os canhões, cortando assim logo a vida,

Levando medo e tirando a sua liberdade,

Mostrando a todos tristeza e pavor com o Sinal,

Da chegada de um novo dono, o Rei de Portugal.

De homens, mulheres e crianças tiramos a esperança,

E nesse chão espalhamos seus corpos nus,

Mostrando toda a ganância, que por nós iniciada

Nos fez virar urubus.

Que lugar é esse tão belo, derramou-se o comandante,

O que haverá lá adiante, manter-se-á tão singelo?

E pisando a areia branca, cuidando fosse o pé direito,

Abriu seus braços e a flecha encontrou seu peito.

Nessa terra há perigo, gritaram os marinheiros,

Voltemos célere aos barcos, o ataque foi certeiro.

Levaremos conosco nosso herói abatido

Que pelo mar será engolido.

Mas esse povo cruel, a eles retornaremos,

Com mais cuidado e astúcia, a eles responderemos.

Pagarão caro a audácia, com certeza lhes diremos.

Faremos deles escravos, nenhum será inocente,

Daqui seremos os donos, sem dúvidas lhes digo,

E suas riquezas, seus frutos, nós devoraremos.

Em suas águas azuis docemente navegaremos.

E de volta ao Rei boas novas,

De nossos serviços prestados seremos heróis premiados.

Recebidos e já seguros, a esse sítio viremos,

E aí cheios de orgulho.

Essa terra será nossa, toda ela um dia:

Aprenderão nossa língua, os seus tesouros darão

E aos pés de El Rei, depositados serão.

Com pompa e muita alegria

O navio empreendeu a viagem por eles encomendada,

Levando notícias e rotas finalmente desenhadas,

Deixando dois barcos cheios de ânsia e espera.

Mas a guerra mal começara, havia outro guerreiro,

aportado léguas à frente, em outras praias distantes.

Era homem obstinado, era um nobre holandês.

Destemido, tomara o mesmo caminho, subindo o litoral.

Curioso, instruído, buscando o seu ideal, era Maurício de Nassau.

O embate foi longo, difícil de conquistar,

Homens perderam a vida, só restava chorar.

E ao derrotado, elegante e estudado, de tais belezas sabia.

Triste porém ciente da menor força empregada,

Achou por bem entregar aquele belo continente,

Mas não sem antes deixar belos feitos, construções,

Sua marca ficou, assim como algumas sementes.

Passou às mãos portuguesas,

Que em outros portos lutavam,

Expulsando também os franceses,

Que dela se apoderaram.

Mas lá no descobrimento, acreditando em vitória,

Dentro da mata encontraram, ferozes e vigilantes

Guerreiros altos e fortes, quase mudando a história.

E assim passaram-se anos, todos em meio à guerra.

Mas não conheciam a pólvora e por ela foram vencidos,

Empurrados terra adentro, todos foram espremidos.

E o Rei mandou suas ordens:

“Tragam ouro, águas marinhas e esmeraldas também.

O reino da Inglaterra está a me cobrar.

Vou dá-los a sua rainha, para a coroa ornar!

Aviso a todos, não se deixem levar,

Afastem-se das índias, nosso povo não pode a elas se misturar.

Mais caravelas eu mando,

Cavalos, ovelhas e trigo para vos alimentar.

Esvaziando os prostíbulos, suas ânsias matarei.

Organizem as filas e por elas esperai,

Homens brancos obedeçam, pelos santos em que acreditam,

forças a eles rogai.

Contentai-vos com elas, são moçoilas belas, por dentro e por fora.

Esqueçam as fêmeas por ora, que andam com as bundas de fora.”

O Rei mandou dos silvícolas esquecer,

Porque ideias melhores com certeza vão ter.

E novos navios chegaram, ostentando nos seus gigantes caralhos,

As cores da sua bandeira.

E eles chegaram entupidos, abarrotados então de animais “controlados”,

Chegaram para escravidão.

O comércio era barato e para nós irão produzir,

Serão todos divididos, para essa terra cobrir.

E nessa terra encantada, com riquezas enterradas,

Farão Portugal reluzir.

“Levantem casas, armazéns e palácios,

Precisamos de fortes para nos proteger.

Bonaparte anda nervoso e ansioso, pronto para morder.

Dizem todos que o louco, o ímpio, quer o meu cu comer!”

E os negros aqui chegaram, poucos aguentaram,

Tristonhos, famintos, atônitos, sem a nova língua entender,

Terras estranhas encontraram e tiveram que aprender.

E de El Rei nova nota:

“ Levantem rápido igrejas, que daqui levarei meu reinado inteiro.

Desejo luxo e riqueza nesse Rio de Janeiro.”

Os fidalgos olhavam-se parvos,

Sem nossa língua entender é difícil de lidar.

Só aprendem se sentirem o açoite,

Choro era a música do sangue vermelho a jorrar.

E tudo fazem gemendo, estradas e poços abrindo,

plantando cana e café, minas de ouro encontrando,

aos senhores agradando, sobretudo quando mulher.

E com a Corte instalada, entre jardins apressados,

novas vestes foram feitas pois o calor era forte,

Nada era perfeito, suavam como cavalos.

O povo foi crescendo, crianças foram geradas,

filhos não desejados que as meretrizes lhes davam.

As putas cedo morreram, os fidalgos envelheceram

Mas seus filhos cresceram,

E para as meninas lustrosas, seus olhares se voltavam.

Elas eram obedientes, agradavam seus senhores

E em seus braços deitavam, derramando-se em louvores.

Aos filhos ficaram as heranças, só aos brancos isso era dado,

Cresciam os meio irmãos, o leite com café coado.

Nas terras todas ao norte, morriam no trabalho,

Acostumaram-se aos ruídos das correntes, realidade doída.

Sonhavam com fogueiras acesas,

Que as noites frias varriam de seus corpos cansados.

O café e a cana eram sua força de labuta,

De onde vieram esqueceram,

Só se lembravam da bandeira pendurada nos caralhos.

E daí veio a mistura com força e traços incertos,

Não eram lá nem cá, os rostos eram diversos.

E quando — surpresa — acabou a escravidão,

Sobre essa terra bonita conheceram a solidão.

Pois não sabiam eles, assim como os índios,

Depois da dor e iniquidade,

Eram eles de verdade, os donos dessa terra!

Aí essa contenda se encerra, ora enfim fora de dúvida

Esse povo aqui nascido e sofrido,

Todos eles misturados, de três raças cultivados,

Os verdadeiros brasileiros.

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Jurema de Avellar

Nasceu no Rio de Janeiro em 1941. Aprendeu a ler antes dos seis anos e escreve desde os sete. Dona de casa, mãe e avó, encontrou na escrita sua expressão.